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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

"In A One Horse Open Sleigh"


Aaaaaah... o Natal está chegando.

É uma época linda e cheia de brilho cujos ideais são sempre de pacifismo, harmonia e comunhão.

É um tempo iluminado em que todos se comprometem a fingir que esqueceu-se de um ano cheio de paulada na cara, de quantas vezes se ‘tomounocu’ e de como é irresponsável comprar uma roupa bonitinha pra se travestir de felicidade numa ceia com a família. (Família...?)

No Natal a gente faz questão de transparecer uma elegância mentirosa, como se as contas atrasadas, o maldizer de um ano todo, e a ausência, fossem meros detalhes irrelevantes a todo ‘pseudo bem-querer’ programado que se tem que provar num abraço de “boas festas”. É quando se comungam as intrigas em uma conversa ociosa que, invariavelmente acaba em briga. 

O que deixa-nos tão acomodados em relação aos laços obrigatoriamente estabelecidos de Natal é saber que, no ano que vem, todos estarão ali novamente reunidos em volta de uma mesa farta de comida que sempre vai assistir a versão nova de uma velha história. Se outrora foram os presentes mal quistos, agora são as cervejas quentes demais. 

O deleite do saudosismo natalino é a ausência de uma pessoa sobre a qual se poderá passar a noite difamando.  

Desejo boas festas a você que eu não conheço, que eu nunca troquei duas palavras, e a você, que passa o ano todo esperando essa data especial, cuja essência insiste em falsificar as relações; plastificar as aparências. 

E já que insistem em acreditar em toda essa parafernália incandescente, venho por meio desta rogar ao Sr. Noel só uma coisinha: bom senso. 

Sarah Nadim de Lazari


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Coita, Consolo e Cura

Às vezes lembro de olhar para o céu
E fazer uma oração
Imaginar uma estrela cadente,
Fazer um pedido por uma intervenção.

Às vezes entrego tudo o que sonho
Nas mãos do destino, e então,
Espero que a sorte faça jus ao meus desejos
E me mostre uma nova opção.

Eu sei que em cada lágrima que cai
Há esperança e desolação.
Sei que o medo que me domina
É sempre uma fuga da frustração.

Às vezes finjo estar bem
Para que ninguém me incomode em minha solidão.
Mas há nos meus olhos e no espelho
O nojo da pena e da compaixão.

Às vezes acredito que tudo vai melhorar
E que vai passar esse estado de inquietação.
Às vezes é o vento; às vezes um trovão.
Me chama pra voar; silencia meu mundo com o poderio do seu som.

Eu sei que essa coita que exponho
É só a vitória de quem aprendeu a sofrer.
É que embora um consolo pareça o suficiente
Nada, nunca, vai me curar de mim.


Sarah Nadim de Lazari



segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A Insustentável Leveza das Mãos


Foram só mãos dadas
E um diálogo silenciosamente compreendido.
Foram só mãos dadas
E tanta coisa a se dizer.

Foram só mãos dadas
E a escuridão nos entendia.
Foram só mãos dadas
E as lembranças dia após dia.

Mãos de quem cumprimenta
Mãos de quem dá adeus.
Que, levantadas, soam eufóricas
E que dadas, temem o amanhecer.

Mãos que brincam, fraternais.
Mãos que sabem: se completariam.
Silenciosas: de poucas vogais
Mas que, singelas, disseram: “até mais”.


Sarah Nadim de Lazari
#dos confins dos cadernos usados em 2010. Singelo.




Indi(fere)nça



Em dias assim
mate ou malte
tanto faz.

São em dias assim
que azar ou sorte
satisfaz.

A indiferença é uma proeza
quando estamos no fim.
Ser forte explica o fato
De o meu ego só depender de mim.

Em tardes assim
o sol e a lua disputam
quem é mais capaz.

São em tardes assim
que o algoz amola as facas
num silêncio tenaz.

A obediência não me poupa
de sofrer tanto assim.
É o cárcere dos dias que leva ao medo
Entre um não e um sim.

Em noites assim
a solidão vigiada
me soa voraz.

Nas noites assim
há cigarro, dados
e espera pelo Ás.

A culpa é da saudade que eu sinto
e de uns goles de gim.
A melancolia só parece interessante
quando leva a um motim.

Sarah Nadim de Lazari
#música

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A Janela e Uma Xícara de Café


           Da janela do meu quarto vejo passar pelo céu, quase todas as noites, um avião. Resolvi acreditar que era mesmo um avião depois da terceira noite que o vi. Logo depois de ter confirmado o fato de ele não ser uma nave extraterrestre, nem uma estrela cadente com cauda verde fluorescente, e, depois de constatar que o sonido exalado por ele não era nenhuma onda hipnotizante ou infravermelho cancerígeno, imaginei um desenho.

É, um desenho desses feitos por criança com giz de cera no pré. O desenho era um risco vermelho no céu que, beirando à similaridade com as pinceladas do impressionismo de Van Gogh, denotava, num traço, o caminho feito pela aeronave. Ele se perdia de vista pra direita e pra esquerda, e, toda noite, parecia engrossar seu calibre. Era um rabisco “encarcado” no céu, que se pautava entre as estrelas como uma linha do tempo sem pontuações relevantes para serem citadas.

Fui mais longe. No momento em que o avião passa pelo meu campo visual, é possível que, lá dentro, haja alguém lendo um livro pelo qual eu me interessaria, uma possível aeromoça servindo bebidas amargas o suficiente para amansar as expectativas da chegada, ou para consolar a dor da partida. Talvez haja um piloto enjoado de reforçar a linha que traça o caminho feito pelo avião todos os dias, ou uma senhora sorridente carregada de presentes trazidos de longe pra entregar aos netos que não vê faz tempo.

Talvez haja alguém com fome da comida que esfriou em cima da minha escrivaninha. Talvez lá tenha a comida que eu gostaria de comer a esta hora da noite. Pode ser que um celular ligado derrube este avião, ou que uma moça desconhecida encoste a cabeça no ombro de um rapaz “pseudo-intelectual” de óculos, barba e camisa social. É que, nesse desenho que enxergo, os fatos e as observações são côngruas demais pra serem grifadas.

Faz parecer que a vida, é maciça. Que embora o rabisco seja o mesmo, em suas duas pontas (a chegada e a partida), ele se ramifica feito capilares sanguíneos que ligar-se-ão a outras retas que cravam histórias lineares entre si. Retas que mudam de cor, textura, que são curvilíneas ou tracejadas, mas que, hora ou outra, unem-se ou separam-se pelo mesmo motivo: o acaso.

Da janela do meu quarto vejo passar pelo céu, quase todas as noites, um avião. A janela, esse avião e o café frio que me esqueci de tomar enquanto dialogava com minha câimbra mental, me ensinaram que esse embaraço de linhas, condutas e vidas, é uma coisa só. É perspectiva.

Uma espera, ainda que ultrajada de comodismo ou convicção. Quanto tempo até o avião pousar? Até o taxi chegar? Até eu reencontrar um amor ou até essa espinha grotesca sumir do meu rosto? Quanto tempo até o Natal ou até a viagem que programamos para o meio do ano? Quanto tempo até a morte chegar e me livrar de caminhar por “lugares nenhum”? Quanto tempo até você? Quanto tempo até nós?

Maciça; prospecta; ingenuamente programada: vida.

Um avião, uma carroça ou as águas de março... Tudo desemboca num mesmo mar: o fim da linha.


Sarah Nadim de Lazari


Medo da Chuva

Há um tempo estive esperando a estreia do filme do Raul Seixas (“O Início, o Fim, e o Meio”) no cinema da cidade onde moro. Assim que tive tempo (ou assim que consegui roubar um tempo de mim), subi na moto, sob nuvens acinzentadas e ameaçando desaguar, e comprei um ingresso pro filme.

          Aflição era o sentimento mais predominante ali, na fila pra pipoca. E se
eu quebrasse a cara e meus heróis, de fato, morressem de overdose? E se o longa fosse a banalização comercial de uma história que eu idealizo como utopia ideológica e nostalgia de uma época que eu não pude viver? E se matassem o Raulzito?

          O Início, de repente, era o medo.

          Vi um cara com a camiseta do Raul, barba por fazer, calça rasgada e All Star surrado entrando na sala. Ultrajado de convicções.

          Eu queria ter aquela cara que esbanja personalidade. Não havia dúvidas de quais eram seus ídolos ou de quais eram as outras estampas em suas outras camisetas.

          Eu o invejei. Sem ultraje e com brincos dourados; ouro de tolo.

          Éramos eu e mais quatro pessoas naquela sala. Uma delas era um velho cuja jaqueta de couro da Harley Davidson denotava muitos quilômetros de sabedoria; muita música na bagagem. Sentou-se na primeira fileira e saiu com os olhos vermelhos dalí. Olhos de quem viveu muito do que tinha assistido.

          Eu o invejei. Com 19 anos e uma moto miúda; um motor de quem não vai a lugar nenhum.

          O Fim, de repente, era a inveja.

          O filme me fez esboçar algumas lágrimas (escondidas) 4 ou 5 vezes. Entre a vida pessoal e a profissional do Raulzito, havia o Raul. Um gênio. Um cara que não queria que sua música fosse acadêmica ou glamorosa. Ele queria ser entendido por todo mundo. Usou de simplicidade pra falar de coisa séria. E seriedade pra compor um mundo de sentimentos.

          E as drogas? Não consegui anexar uma opinião concreta. E se ela não tivesse experimentado todas elas, seria o mesmo Raul? Se ele tivesse permanecido nesta dimensão, será que conseguiria ter observado tudo com tanta objetividade? E se ele não tivesse sido essa metamorfose ambulante, seria ainda o maluco beleza que conceituou tantas vidas?

         Saí do cinema depois do final dos créditos. Assimilava tudo o que tinha visto. Digeria e saboreava sensações antitéticas.

         Só percebi que estava chovendo torrencialmente quando a moça que cobrou o ticket do estacionamento me perguntou se eu estava de moto e sorriu quando eu respondi que sim. Muito simpática.
Peguei minhas chaves, fechei a jaqueta, e fui. Sabia que o mais puro gosto do mel era apenas um defeito do fel.

         E meu Meio, de repente, era a esperança.

Sarah Nadim de Lazari

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Vista-se


Sempre que entro n’algum site de relacionamento, me pego indagando à respeito do fato de as pessoas despirem-se diante do mundo. Então, esbarrei, dia desses, com o termo “striptease espiritual público”, comentado pelo sociólogo  Zygmunt Bauman.

 À partir daí, a bola de neve mental desencadeou num raciocínio cujo pontapé inicial é a comercialização da moral humana.

Foi fácil fazer uma analogia entre a austeridade versus o consumismo. Pense bem: nós vivemos um acidente histórico, cuja inovação não é a tecnologia fundamentada, nem o avanço eletrônico, mas a orgia consumista! E digo orgia, porque passou de necessidade, a prazer/desprazer no Ter/ Possuir. E por que isso?

 Relevância.

 As pessoas querem ser notadas. Elas querem fazer parte de algo. Querem comentários à respeito delas e aceitação daquilo que elas são/pensam/vestem/ingerem.

 Num lapso de desprendimento do senso comum, fica clara a observação de que hoje, não há utopia.

 Para onde, exatamente, estamos indo?

Que eu  me lembre, traçávamos, até bem pouco tempo atrás, um caminho para esse “desenvolvimento” que presenciamos, sem nos indagar a repeito dos alicerces de um futuro posterior ao  que galgamos. Fizemos o gol, corremos pro abraço, mas nos esquecemos que a partida continua depois da mudança no placar.

 Um termo bastante usado antigamente era o “Interregno”, que denotava o período que um império qualquer ficava sem Rei, ou dinastia. Nesse período, a população subordinada a tais comandos, ficava perdida. Estagnada. E é essa a caracterização dada a nosso tempo. Não mais pela próxima aristocracia, mas ainda uma espera; o “Stand By”da contemporaneidade.

 Compartilhar dos mesmos interesses ou sentimentos é uma procura incessante por uma utopia comum. A vontade de que destino traga a novidade que todos precisam. Não sabem. Mas precisam.

 Essa confusão que se dá entre a estereotipação e a similaridade torna perigosa a exposição exagerada - que beira à carência. Tornam susceptíveis as moças, previsíveis os rapazes, premeditados demais os eventos e promulgados os relacionamentos.

 Antes de hipotecar nosso futuro, convém pensar conjuntamente num destino comum, sem a ideia ilusória de que estar no “ranking” dos mais “clicados” da semana fará alguma diferença considerável na sua, ou na vida de qualquer outra pessoa. Poupe-se da exposição.

 Vista-se.

Sarah Nadim de Lazari



Alfândega da Alma


Um depósito para o meu “eu” tem que ser algo razoavelmente grande. Não o suficiente pra caber as coisas descartáveis que carrego comigo, mas compacto a ponto de confortar muito bem minhas ideologias. Ah... essas ocupam um lugar privilegiado nesse recém nomeado “alfândega da alma”.

Tem de haver reservado um cantinho para as minhas saudades. Essas eu vou levar comigo enquanto não saná-las (ainda que renove seu “prazo de validade” com certa periodicidade).  Esquecê-las é só uma questão de priorizar aquilo que mereço armazenar. Tenho um disco rígido grande o suficiente pra me lembrar de quem, hora ou outra, fez parte de uma dessas benesses que o destino me proporcionou.

O caráter há de ser guardado  no espaço em que colocarei minha família. Coisas que soerguem-se juntas, permanecem unidas até o fim. Lá em casa sempre priorizaram o bom caráter, e pra guardá-lo sem os seus, prefiro mantê-lo como utopias do que sou. Ou fui.

Já meus amores, vou preferir embrulhar bem em papel-bolha. Protegê-los do tempo, do desgaste, do desamor, da traição e da covardia é essencial. Que não haja contato algum com a desesperança, muito menos com o saudosismo dos outros. Não os deixe entrar em contato com o gostinho da perdição, nem com qualquer rastro de desinteresse que estiver por perto.

Coloque de qualquer jeito aí nesse meio o bom humor, fazendo com que tudo esteja em contato com ele, e não se esqueça de  fazer dos sorrisos parte fundamental da fé. É que quando a gente ri, contamina-se de esperanças e propaga uma vontade imensa de acreditar que tudo, no fim das contas, vai acabar bem.

Deixe de fora o medo, senão não haverá espaço pra coragem, e essa eu prefiro colocar nas bases do que sou, porque, caso haja um tempestade de desilusão, sei que terei uma forte sustentação.

Exclua dessa lista o comodismo. Não quero que, nesse ínterim, meus pedaços sejam infectados pelo senso comum que, dias desse, fizeram parecer confortável. Quero a aventura de poder contar com o atrevimento. Quero  confiar nas surpresas que prometem as indagações e suas respostas. Quero naufragar nessas ondas de suficiência.

         "Suficiente".

Essa é a palavra.

Guarde de mim tudo aquilo que for suficiente pra me fazer feliz. O resto é o descarte pelo qual o ego se embriagou. 



Sarah Nadim de Lazari
#2011

Azia


Sabe qual a sensação de fracassar?
É a mesma que se sente
Quando o tempo insiste em se manifestar.
É uma angústia amarga e ácida
Que preenche o vazio que outrora
Era ocupado por tristeza e solidão. É substituição.
É  o que difere o sucesso do egoísmo pagão;
É a saudade de um futuro planejado, em ascensão.

Sufoca a alma;
Abafa a voz;
Engole o choro;
Digere o medo;
O fracasso é uma questão de opinião.  

Sabe qual a sensação de se frustrar?
É sempre aquilo que se sente quando os planos não se dão.
É a fé despedaçada por azar ou perdição.
É o fel de uma ressaca ou a dor dessa canção.
É uma cabeçada na parede ou num muro de compaixão.
É fuga. É rendição.

Amarga o ego;
Afoga a esperança;
Espanca a sorte;
Maltrata a fé;
A frustração é uma questão de covardia.

Sabe qual a sensação de decepcionar?
É aquilo que se sente ao derrubar um copo no bar.
É chamar a atenção com suas migalhas no chão.
É um gole de ácido e um arroto em combustão.
É a azia da alma e o silêncio da perdição.
É vergonha. É só vergonha.

Enterra o vigor;
Afaga a coita;
Apaga o êxtase;
Constrange o êxito;
A decepção é uma questão de relevência.

Sarah Nadim de Lazari
#música


terça-feira, 11 de setembro de 2012

Camuflagem


           “Propaganda é a arma do negócio; no nosso peito bate um alvo muito fácil. Mira à laiser; miragem de consumo; latas e litros de paz teleguiada.”. A música de “A Promessa” de Humberto Gessinger delata o cenário deste ínterim pós Revoluções Industriais, contaminado pela mídia – e sua “Mediocracia”.

Se outrora a clausura ditatorial, hoje, a semiurgia; se antes a subjetividade programada dos poetas, hoje, a liberdade vigiada dos letrados. Nesse vaivém histórico da manipulação em massa, assistimos ao surgimento do “Jornalismo Industrial” - mera linha de produção de notícias descartáveis-, que torna o conveniente individual, uma preocupação generalizada.

A relação entre um canal religioso, que faz com que a “fé” enterre a todos na vala comum de um discurso literal, e um canal pornô, que sucumbe o ser humano ao seu instinto animal, é a vulnerabilidade do homem. Compra-se a idéia, não o produto. Transmitir o que se quer ouvir/ver, é o crime de toda programação- e o deleite de todo canal de televendas.

A relatividade de um programa, uma notícia, ou uma propaganda equipara-se ao fato de a diferença entre veneno e o remédio, ser apenas a dosagem; dialoga com a circunstância de que para um vírus, a penicilina é uma doença. A rixa é “mais embaixo”.  É o status social, que, invariavelmente, seleciona o que deve ser veneno ou doença. E a semiurgia – fato de plantar uma notícia na mídia-, só faz parecer igual o que é diferente, numa austeridade camuflada de gentileza e vantagem.

Não se pode mais admitir que a sociedade continue sendo hostilizada pelo macartismo reeditado pela “magnificência” dos grandes veículos de imprensa. A mediocridade e a tolerância não podem tomar conta daqueles que sucumbem ao comodismo de ver todos os dias na televisão o circo, ainda que sem o pão, sem saber que o palhaço está do lado de cá da tela.

Sarah Nadim de Lazari
#2012

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Presta(ações)


Em cima do muro
Do lado de quem?
Entre dois mundos
Sonhava em ser alguém

E tentou ser forte
Queria lutar
Se duvida da sorte
Prefere se esquivar

Não tem medo do medo
Já cansou de apanhar
Vai seguir qualquer conselho
Pra mudar de patamar


REFRÃO:
Isso porque
Não tem mais o que fazer
Já se rendeu à TV
Não tem mais o que perder
Levaram tudo
Com sua capacidade de escolher
E sua verdade
Em dez vezes no carnê

Já teve até chances
De escolher suas armas
Se muniu de esperança
Se esqueceu de lutar

Ainda tinha atitude
E escolheu acreditar
Nas vantagens do preço
Preferiu parcelar

Andar em círculos
Não é tão ruim
Quando a vida é um ciclo
Todo começo é um fim

Mãos ao alto
Passinhos pra lá
Dá uma reboladinha
E passa a grana pra cá

Sarah Nadim de Lazari
#Música

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Campbell, Filhos E Enxoval


        Há um equívoco gutural nas primeiras impressões.
É uma conclusão que arremata várias outras situações, mas, em particular, uma sempre chama a atenção: já reparou na reação que as pessoas têm diante de uma afirmação como “eu não quero ter filhos” ou “não pretendo me casar”?
Os músculos faciais se rebelam contra a tentativa de parecer normal diante de tais pressupostos, e o espírito de avó do século XIX faz murchar a cara como quem chupa  um limão.
A abstração espectadora permite a ingestão desse determinismo moral que está encravada numa mediocracia que decidiu que o código de conduta do bom cidadão, da boa moça e mulher digna é casar-se, ter filhos sem saber para quê tê-los; sem querer sabê-los.
Pasme, você, que com 13 anos de idade já tinha um enxoval completo todo bordado em “ponto cruz”: as pessoas amam. Ainda que não tenham filhos nem oficializem uma união dessas que os torna reféns não de um laço espiritual, mas jurídico, elas amam sim!
Não é preciso ser capaz de colocar outras vidas no mundo para se ter sentimentos tão belos quanto os “shakespeareanos”. Muito menos são precisas duas  assinaturas  num papel condecorado de demagogias ilusórias que ultrajam de vida toda uma lua de mel em Paris.
Conviver com o fato de que opta-se pela liberdade até por cima do cadáver da tradição é difícil até pra quem usa calça “jeans” e tênis da moda. Fácil é aceitar o fato de que “vampiros se apaixonam por seres humanos e de que lobos são quentes e valentes.”
Condenar a opção por uma união (ou não) livre de toda pressão tradicional ou a abdicação da responsabilidade de ter um filho ortogado pelo egoísmo ambiental que é a perpetuação da espécie, é medo. Medo de ser julgado pelos mesmos parâmetros pelos quais você julga. Medo de provar do amargo do próprio veneno.
Pasme, você, que tem 3 filhos, 1 hérnia e pouco tempo: finais felizes precedem frustrações.
Pasme, você, que com 20 anos de casado assinou uma vez só o “certificado de conclusão de curso”: amar, se aprende amando.

Sarah Nadim de Lazari
#2012




terça-feira, 7 de agosto de 2012

A Utopia do Possível


       John Lennon sonhou com a paz mundial; Martin Luther King, com a igualdade entre negros e brancos; Hitler, com a pureza da raça ariana; Cazuza, com uma ideologia; uma bailarina gorda sonha com mil saltos mortais; minha mãe sonha com um netinho e meu pai com meu sucesso profissional; até Baleia sonhava com um mundo cheio de preás. Ferreira Gullar acertou: “o sonho é popular”.
À partir do momento em que se passa a recorrer o porquê de se sonhar, e deixa-se de lado as considerações feitas diante das coisas com as quais se sonha, sobressalta-se: por que sonhamos?
Os mais otimistas sugerem que sonhar é um estímulo, uma incitação à realização de tal sonho. Os pessimistas fazem do sonho um aval para evitar esforços, para distar cada vez mais do potencial de realização de qualquer ideal. O saudosista faz do passado um sonho antigo, uma hipótese limitada pelo tempo. O violeiro que toca em frente sonha porque nunca quer parar de caminhar. Os vestibulandos usam do sonho porque é o trunfo mais sustentável para a persistência.
O onírico não é ilícito, mas corrompe tanto quanto a poesia. Ilude a gregos e troianos, porque é uma chance. Ser possibilidade não exclui do roteiro uma das facetas da vida que pode ser o fracasso, mas alimenta o vício da fé. Fé naquilo que é alcançável, mas esquiva do medo de que seja impossível.
Vertentes do bem ou do mal, da riqueza ou da simplicidade, do individualismo ou do bem comum, do dogmatismo ou do cepticismo, tanto faz. Sonhos? Julgue-os como possíveis, saboreie-os como impossíveis, mas acorde assim que a realidade lhe apontar um tiro “à queima roupa”; desperte quando a utopia do possível engolir tal realidade; tenha sonhos capazes de sacudir o mundo. 
“Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só”. Raul Seixas de novo? Use-o como subterfúgio do individual nocivo, afinal, é por isso que o sonho é popular, não?
Sarah Nadim de Lazari
#2011

Covardia Alegórica


        Sabe do que eu tenho medo? De covardia. Morro de medo de quando as pessoas fogem dos riscos, das dificuldades e optam pelo caminho mais curto. Medo porque é por aí que moram as maiores monstruosidades com as quais podemos nos deparar no futuro.
Ali está o Arrependimento. Bicho peçonhento. Tem origem na tentação, na simplificação das coisas, na esquiva dos males, na fuga dos problemas, e na bendita covardia. É que quando surge uma oportunidade de burlar as intempéries do acaso, ainda que através de meios nada éticos, Fulano vai lá e pronto: “supera” o problema. Acontece que problema que é problema, não brinca de esconde-esconde com o destino, e invariavelmente, na sua sagacidade feroz de achar o caminho de volta pra casa, retoma seu interlocutor com um afinco de saudade e vingança por ter sido enganado, e vem correndo pela areia da praia, cabelos ao vento e vestido de branco . E aí, “pimba”: a lástima; o choro; um nhenhenhém digno de um dramalhão mexicano; uma coita que só por Deus. O danado se arrepende.
No caminho mais curto mora a Injustiça também. Não se percebe que para driblar qualquer pedra no meio do caminho mais longo, a gente toma posse do caminho alheio. Invade-se, quase sempre, um pedaço de terra carpido, adubado quiçá e desocupado de outrem. Aí, se você é mais forte, tem um sobrenome bonito, ou uma conta gorda no banco, tudo bem, mas se for um Ninguém, ladrão de galinha, ou Zé Ruela, mirrado, vai se danar. A vida sempre cobra de quem não tem com o que pagar.
A covardia finge que manipula o Tempo também. O medo de envelhecer ou de morrer faz correr atrás de uma aparência jovial, ou de uma pseudo-saúde comprada, manipulada na farmácia da esquina, ou adquirida em um canal de televendas.  Quando for covarde o suficiente pra temer o espelho, quando as rugas soarem como sinais de um tempo que passou gratuitamente, ou quando a fantasia de possuir o mesmo corpo quando em tempos de nudez manifestar-se, não tema: orgulhe-se. A indiferença diante da experiência é medo de não ter usufruído de todas as possibilidades.
Morro de medo da Inveja, que é a covardia que o Cicrano tem de elogiar. Custa alegrar-se com a roupa bonita da colega? Qual o problema com o carro novo do vizinho? Vai mesmo procurar todos os dias um novo defeito para o patrão? A inveja que te assombra e corrói por dentro é um câncer na sua auto-estima. Um tumor de três quilos, que lhe aproxima sempre mais do fundo do poço, da depressão, do ópio que talvez seja a solidão.
O Arrependimento, a Injustiça, o Tempo e a Inveja dão medo. São ou já foram medo. Carregam na essência o pé atrás, o oportunismo, uma razão angustiada e cansada de pensar, a privação de prazeres por um juros a ser retirado sabe-se lá em qual vida. Se antes a fé, agora, a certeza do fim. Se antes um futuro, agora, um passado.  Se antes o medo, agora, a dúvida.


Sarah Nadim de Lazari
#2010


sábado, 4 de agosto de 2012

Conectado


Sempre vai ralar as mãos quando cair
Não vai aprender a se apoiar
Sempre vai ter que conectar pra conseguir
Não vai aprender a batalhar
Sempre achou que as coisas cairiam do céu
Mas, até então,
Só um raio e um trovão
Que derrubou a conexão
E, agora, solidão

Não sabia que a vida era pior do que um chefão
Como vai passar de fase sem um controle na mão?
Uma vida na mochila e muita imaginação
Alguns planos virtuais e nenhuma realização
De companhia no quarto, o mundo inteiro e um violão
Mas um raio e um trovão
Derrubou a conexão
E, agora, solidão

Buscava semelhanças com o perfil de alguém
Que por fotos e frases parecia ser do bem
Photoshops  e mentiras não foram só o problema
A vergonha e a estatura também eram um dilema
Muitas madrugadas e muito papo furado
Queria achar alguém que não fosse só mais um tarado
Mas um raio e um trovão
Derrubou a conexão
E agora, solidão
Desde quando, solidão?

Sarah Nadim de Lazari
#música

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Tempos de Camisola


Ela se acostumou com a solidão
De tal forma que agora teme a multidão,
E se esqueceu do calor de um abraço
E de como é bom pegar na mão.

Ela ocupa a cama toda sozinha,
E usa os travesseiros de companhia.
Deita mais cedo por falta do que fazer,
Vestindo a camisola bege de quem não sente mais prazer.

Percebeu que não faz falta pra ninguém,
E que de tanto escolher, acabou escolhida.
Fala convictamente com o cachorro,
Considerando o rabo abanando uma resposta sensata.

Seu consolo é uma comédia romântica,
E seu ator favorito tem 18 anos.
Agora seu psicólogo é um pote de sorvete,
E sua pílula anti-stress não funciona mais.

A falta de alguém ao lado, de repente, incomoda,
E aquele número de telefone se torna pertinente.
Agora preza por um futuro contente,
Que há tempos, julgava indiferente.

E acredita que o azar um dia vai dar trégua.
E tenta se concentrar pra voltar no tempo,
Quando fazia sentido se maquiar ou dançar.
Quando valia a pena sair para flertar.

Ela foge dos espelhos que a engordam demais.
E vai trocar de carro, mas, tanto faz...
Cozinha um banquete pra comer sozinha,
E só limpa o fogão quando vem visita.

Ela se esqueceu de como é ser beijada.
Como fazer com a língua, e onde pôr a mão.
Se sente acariciada quando se afaga na escuridão.
E se aquece com o peso de um monte de edredom.

Acontece que ela se acostumou com a solidão,
E vai levar um tempo até abrir o coração,
Que foi lacrado pelo medo e pela decepção
E que agora só funciona por conta da razão.

Mas se um dia ela quiser ser amada de novo,
Vai ser tão simples como na televisão?
Vai achar alguém, um caminho ou uma estrada
Que não a leve de volta pra essa pista de uma só direção?
Solidão.

Sarah Nadim de Lazari
#2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

A Insustentável Leveza da Felicidade


Eudemonismo é uma doutrina segundo a qual felicidade é o objetivo da vida humana. Pasme: eis aí uma quimera inalcançável.  
Antes de um suicídio coletivo, de um rampante de desespero, ou mesmo antes de virar a página pra ler um texto com o “efeito dopamínico” de uma realidade agradável, explico.
Com uma mordiscada de filosofia fast-food é possível promover um “solo psíquico” capaz de absorver coerentemente o fato de a felicidade ser uma ambição transmutável. A justificativa do possível é uma das correntes mais racionais através da qual limita-se os sonhos; pondera-se o desejo; restringe-se ao palpável, a ambição.
Se o hedonismo, hoje, é o ópio do estereótipo, é por conta de uma indústria que conseguiu fazer com que fosse absorvida a ideia de que ser feliz é ter um corpo semelhante ao das modelos de comerciais, uma roupa que transpareça superioridade através da etiqueta, ou uma família tão perfeita quanto à do comercial de margarina.
Enquanto o “Prozac” da razão toma forma de contracultura, anarquia ou chatice, o tempo vai galgando saudades, frustrações e o enfraquecimento das certezas morais. Tornamos a indiferença uma constante espera pelo êxtase da vida, sem saber que esse estoicismo mal interpretado, essa apatia diante das coisas simples e agradáveis de agora, são falsas resiliêcias. Não é adaptação. É fuga.
Felicidade não pode ser objetivo pelo simples fato de que ninguém “é” feliz: “está”. 
Entre a certeza de uma vontade e a vontade de uma certeza, há de se tentar e crer numa vida pendular que mantém o sublime e o passageiro sempre de mãos dadas.

Sarah Nadim de Lazari 
#2012