Translate

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Tempos de Camisola


Ela se acostumou com a solidão
De tal forma que agora teme a multidão,
E se esqueceu do calor de um abraço
E de como é bom pegar na mão.

Ela ocupa a cama toda sozinha,
E usa os travesseiros de companhia.
Deita mais cedo por falta do que fazer,
Vestindo a camisola bege de quem não sente mais prazer.

Percebeu que não faz falta pra ninguém,
E que de tanto escolher, acabou escolhida.
Fala convictamente com o cachorro,
Considerando o rabo abanando uma resposta sensata.

Seu consolo é uma comédia romântica,
E seu ator favorito tem 18 anos.
Agora seu psicólogo é um pote de sorvete,
E sua pílula anti-stress não funciona mais.

A falta de alguém ao lado, de repente, incomoda,
E aquele número de telefone se torna pertinente.
Agora preza por um futuro contente,
Que há tempos, julgava indiferente.

E acredita que o azar um dia vai dar trégua.
E tenta se concentrar pra voltar no tempo,
Quando fazia sentido se maquiar ou dançar.
Quando valia a pena sair para flertar.

Ela foge dos espelhos que a engordam demais.
E vai trocar de carro, mas, tanto faz...
Cozinha um banquete pra comer sozinha,
E só limpa o fogão quando vem visita.

Ela se esqueceu de como é ser beijada.
Como fazer com a língua, e onde pôr a mão.
Se sente acariciada quando se afaga na escuridão.
E se aquece com o peso de um monte de edredom.

Acontece que ela se acostumou com a solidão,
E vai levar um tempo até abrir o coração,
Que foi lacrado pelo medo e pela decepção
E que agora só funciona por conta da razão.

Mas se um dia ela quiser ser amada de novo,
Vai ser tão simples como na televisão?
Vai achar alguém, um caminho ou uma estrada
Que não a leve de volta pra essa pista de uma só direção?
Solidão.

Sarah Nadim de Lazari
#2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

A Insustentável Leveza da Felicidade


Eudemonismo é uma doutrina segundo a qual felicidade é o objetivo da vida humana. Pasme: eis aí uma quimera inalcançável.  
Antes de um suicídio coletivo, de um rampante de desespero, ou mesmo antes de virar a página pra ler um texto com o “efeito dopamínico” de uma realidade agradável, explico.
Com uma mordiscada de filosofia fast-food é possível promover um “solo psíquico” capaz de absorver coerentemente o fato de a felicidade ser uma ambição transmutável. A justificativa do possível é uma das correntes mais racionais através da qual limita-se os sonhos; pondera-se o desejo; restringe-se ao palpável, a ambição.
Se o hedonismo, hoje, é o ópio do estereótipo, é por conta de uma indústria que conseguiu fazer com que fosse absorvida a ideia de que ser feliz é ter um corpo semelhante ao das modelos de comerciais, uma roupa que transpareça superioridade através da etiqueta, ou uma família tão perfeita quanto à do comercial de margarina.
Enquanto o “Prozac” da razão toma forma de contracultura, anarquia ou chatice, o tempo vai galgando saudades, frustrações e o enfraquecimento das certezas morais. Tornamos a indiferença uma constante espera pelo êxtase da vida, sem saber que esse estoicismo mal interpretado, essa apatia diante das coisas simples e agradáveis de agora, são falsas resiliêcias. Não é adaptação. É fuga.
Felicidade não pode ser objetivo pelo simples fato de que ninguém “é” feliz: “está”. 
Entre a certeza de uma vontade e a vontade de uma certeza, há de se tentar e crer numa vida pendular que mantém o sublime e o passageiro sempre de mãos dadas.

Sarah Nadim de Lazari 
#2012



A Persistência da Escória

Quando sua vida pausar
E parecer com uma obra de Dalí
Faça uma errata da vida
E se surpreenda com o que sempre quis

Quando seu destino for o próximo minuto
E cada passo parecer uma ilusão
Deixe sua agenda de lado
E faça do silêncio uma diversão

Eu sei que cada página lida
É uma esperança de encontrar a solução
Sei que todo medo que eu sinto
É um resquício de desilusão

Eu sei que não adianta ler Freud
Humberto Gessinger, Kant ou Platão
Mas busco na maturidade dos outros
Uma esperança ou uma explicação

Quando seu horizonte turvar
E o acaso engatar a macha ré
Saboreie algum filme de Almodóvar
E até num maço de cigarros tenha fé

Quando o despertador tocar de novo
Já será tarde demais para viver
Esse seu botox emocional
É sua ânsia de envelhecer.

Sarah Nadim de Lazari
#2011