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quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Persistência da Memória

Segundo o dicionário, a palavra hábito significa “disposição adquirida pela repetição freqüente dum ato; costume”. É fato que, entre a virtude e a conveniência, o brasileiro está, sobretudo, habituado a conviver e assistir à fanfarrice dos politiqueiros exploradores que sondam ou sondaram o governo do país.  É fato também, que os homens são tão simples e tão obedientes às necessidades do momento, que quem engana, encontra sempre a quem se deixe enganar. Mas, e quando a necessidade pende para o lado do enganado? Ele habitua-se.
É o que acontece com o brasileiro que, quando, em tempos de corrupção, lavagem de dinheiro, e abuso do poder de políticas públicas, cala-se diante da impunidade.  A retórica capaz de direcionar a opinião pública que os criminosos de colarinho branco empregam, ainda seduz as maiorias: uma parcela social convenientemente esperançosa. Uma esperança direcionada por este discurso oportunista que não passa de um interesse travestido de profecia.
Esperança? Galileu Galilei, Leonardo da Vinci e Nicolau Copérnico, considerados loucos em sua época, foram incapazes de sobrepor o hábito vigente lá, mas revolucionaram o mundo. Essa expectativa da sociedade de melhoria há de se transfigurar em ânsia por punição e justiça. É que aquele que engana, faz do enganado sua corja, e lhes tira o emprego, a residência, o prato de comida da mesa, a assistência de saúde e educação com tamanha sutileza, que ludibria, mas, a consciência disso, e de que é possível sim, como foi outrora, mudar o rumo das coisas, já é uma grande vantagem.
A garantia confiável da impunidade, que tem gerado uma recompensa satisfatória a quem se beneficia sobre quem facilita, é impulsionada pela estagnação brasileira, mas acreditar que somos capazes de mudar qualquer aspecto de nossa vida é talvez o primeiro passo para conquistarmos um futuro com o qual concordemos, onde a persistência da memória faz da história, um mapa moral.
        Entre uma sociedade teocrática sugerida por Santo Agostinho e um governo dirigido por intelectuais, como Platão sugeriu, roga-se para que o povo seja sábio para questionar, julgar e acreditar em mudanças, e perspicaz o suficiente para ponderar a confiança e a dúvida, a gentileza e a má intenção, e a fé e o governo dirigido por seres humanos e só.

Sarah Nadim de Lazari
#2011


terça-feira, 10 de julho de 2012

Pão Com Manteiga

Na urgência visceral de ter tempo pra tudo, a gente se esquece de saborear as sensações. Na maioria das vezes estamos de corpo presente na crista da onda; a mente navega por outros mares sem saber que, mais cedo ou mais tarde, as ondas se quebram – digerem entre pancadas violentas e borbulhas amarelo-terrosas, o anti-fuso horário dos karmas.
Aí, um belo dia, numa epifania daquelas que merecem um “close” de final de novela, descobre-se o passado. Uma imensidão de dúvidas que não custeiam a pureza, mas, possibilidades. “E se...?”.
A imaginação remonta probabilidades de a vida ter sido outra a partir de uma atitude diferente, de um sorriso não esboçado ou de uma palavra mal interpretada. Acontece que o tempo não está disposto a negociações. Ao passo que torna o presente indiferente, tumultua o futuro numa ansiedade insana de ser “não sei o quê”, de ter “não sei o que lá”, ou de reencontrar “não sei quem”. Ninguém mais consegue “estar”.
Hoje, paradoxalmente, as pessoas “foram” ou “serão”.
Quando a gente não tem aval literário, quando não temos cabelos grisalhos nem rugas imponentes ou se não sabemos fumar um charuto importado com classe, a gente põe a culpa de uma ideia bem bolada nos conselhos de um avô, nos ditos de um sábio ou nas memórias póstumas de quem quer que seja. Isto posto, resta expor que, como meu avô dizia: quando não se sabe o que fazer, para onde ir ou quando as especulações de um “e se...” tomarem muitas horas de suas noites, coma um pão com manteiga.
Entre a coita e o paladar, entre o bêbado e um equilibrista, entre surfar e naufragar está a simplicidade. Sofrer, cair ou afundar é só uma questão de saber degustar.

Sarah Nadim de Lazari
#2012



Relação Perigosa


Não se procure
Você está bem aí
Frente a frente com você
É um prazer te conhecer?

Por que o espanto?
Até parece não notar
Que todos estes anos
Tiraram as coisas do lugar

Você que questiona os medos
E anseios dos que se aproximam de ti
Faz isso por que os seus devaneios
Te assombram na hora de dormir

Agora perdeu a graça
Comemorar por existir?
É que quanto mais se sobe
Maior é a dor de cair.

Esse espelho é um perigo
Porque sempre as respostas
Vêm antes
De uma dúvida surgir

Se relacionar consigo
É olhar pra dentro de um mundo
Onde quase sempre o abrigo
Aparece bem perto do fundo.

 Sarah Nadim de Lazari
#2012

Esportes Radicais

         Existir cansa. Vestir-se, caminhar, cutucar o nariz ou tomar um café. Corriqueiro demais pra quem faz da simplicidade um fardo. Cansa ter que se moldar aos determinismos que nos muda constantemente.
A dúvida cansa. Desde que indagar passou de busca por embasamentos científicos a teimosia de gente chata, saber tornou-se um fardo pesado demais. A elegância das explicações não garante sua eficácia. A necessidade de uma explicação, não garante sua existência.
A saudade cansa. Um fardo pelo qual não se opta. Saudade é. Carrega, travestido de vontade/desdém, tristeza/felicidade, amor/ódio, necessidades inconclusas. É a sangria do poeta e o gozo do leitor. A amargura da viúva e o caos do historiador. Saudade dói.
A imaturidade cansa. Crescer nem sempre denota sabedoria. Recorre-se à infantilidade por não se ter acesso a uma fonte da juventude. Não! Amadurecer é sadio. As histórias de outrora são o revés do saudosismo. O tempo gentilmente afaga a memória. Não à toa. O acúmulo de experiência transborda para que polinize novos leigos.
A passividade cansa. Quando o assento toma a forma, a urgência torna-se insuficiente. Sem a liberdade das horas vagas, tudo bem, a fé seria só uma especulação, mas, estar alheio a tudo e a si mesmo é corrosivo. Decompõe a sociedade e o dom de raciocinar. A passividade é uma revolução embriagada.
O silêncio cansa. É um palhaço morto. Entre o choro e o riso proporcionado, há um acaso e só. O sopro do vento ou o uivar de um lobo são especulações razoáveis para o medo. O silêncio fala alto quando é necessário; é ensurdecedor quando não.
A dúvida é o suor da existência. Correr atrás da maturidade deixa pra trás a capacidade de esquecer. Ser passivo à casualidade é driblar o destino sorrateiramente. Sem o cansaço, o que seria de um poeta?

Sarah Nadim de Lazari
#2012

Décadence Avec Élégance



       Eu quero que você olhe para mim e sinta pena. Que se angustie diante de minha coita injustificável, e que venha, quando eu estiver num canto isolado da sala, me perguntar o que há comigo.
    Vivo pra fazer com que todos se lembrem de mim como aquela que precisa de companhia, de apoio e de consolo.
    Estou sempre insatisfeita com as unhas, com o corpo, com o emprego, os homens e o cenário político mundial.
    Reclamar é uma boa maneira de puxar assunto. Por isso, o clima também é sempre vítima das minhas lástimas. Se sol, chuva, frio desnorteante, ou calor insuportável, tanto faz. É preciso que haja qualquer coisa de notável no ambiente pra que eu possa argumentar e convencer de que, definitivamente, aquela é a pior das estações.
    Meus pais, meus vizinhos, o controle remoto da minha televisão e a minha dor de cabeça são imbatíveis. Não discuta comigo. Não tente superar os meus problemas. Não me diga que as coisas vão melhorar.
Tudo o que eu quero de você é atenção. Importe-se mais com meus planos que não vigoram do que com sua própria vida, afinal, eu sempre sou a injustiçada em tudo.
    Se o julgamento favorece o réu, eu sou o acusador. Se meu time está perdendo, a culpa é, invariavelmente, do juiz, que se vendeu para o time adversário. Se perco o emprego, é por conta de o patrão não entender minhas causas perdidas. Nem todo mundo se predispõe a mudar o mundo como eu, da tela de um computador, num blog com “posts” críticos e com muito embasamento, claro.
    Gosto quando vêm me perguntar como vai a vida. Um momento único para o deleite das minhas desolações.  “’Tudo’ bem” é coisa demais. No impulso, a gente acaba se esquecendo de mencionar o vira-latas que sempre derruba o lixo, esquecemo-nos da fome mundial e de que na semana passada a empregada derrubou aquela porcelana importada caríssima que ganhei de mamãe. “Bem”? Boa deve ser a vida de quem não tem mais o que fazer!
    Sou tão boa companhia que as pessoas sempre me procuram aos domingos. É quando sentamos em alguma varanda – de preferência muito bem decorada com “futon” em cores pastéis - para comentar o sábado vulgar e indecente de algum conhecido, para lamentar a proximidade com a segunda-feira, e o término do final de semana.
    Gosto tanto da caridade visual que se derrama sobre mim quando digo que meus relacionamentos amorosos nunca dão certo, que faço questão de colecionar testemunhos tristes, traições hollywoodianas, e dramas shakespearianos.
    É muito bom ser o centro das atenções. Muito bom saber que ninguém acha que eu tenho expectativa de felicidade. As pessoas são piedosas com quem é ingênuo, e eu sou a minha melhor vítima.
    É um esforço diário alimentar minha coita. Preciso me esquecer da esperança todos os dias, e lutar para que a minha infelicidade contamine a quem se aproxima de mim.
    Tudo isso pra quê?
Não sei. Deve ser porque o niilismo exige menos complexidade do que o otimismo. A solidão é um prato cheio para uma satisfação completa diante de qualquer nova companhia. A dor dos outros é o ópio de todo curioso.
    Ainda bem que toda semana tem domingo!


Sarah Nadim de Lazari
#2012