Translate

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Covardia Alegórica


        Sabe do que eu tenho medo? De covardia. Morro de medo de quando as pessoas fogem dos riscos, das dificuldades e optam pelo caminho mais curto. Medo porque é por aí que moram as maiores monstruosidades com as quais podemos nos deparar no futuro.
Ali está o Arrependimento. Bicho peçonhento. Tem origem na tentação, na simplificação das coisas, na esquiva dos males, na fuga dos problemas, e na bendita covardia. É que quando surge uma oportunidade de burlar as intempéries do acaso, ainda que através de meios nada éticos, Fulano vai lá e pronto: “supera” o problema. Acontece que problema que é problema, não brinca de esconde-esconde com o destino, e invariavelmente, na sua sagacidade feroz de achar o caminho de volta pra casa, retoma seu interlocutor com um afinco de saudade e vingança por ter sido enganado, e vem correndo pela areia da praia, cabelos ao vento e vestido de branco . E aí, “pimba”: a lástima; o choro; um nhenhenhém digno de um dramalhão mexicano; uma coita que só por Deus. O danado se arrepende.
No caminho mais curto mora a Injustiça também. Não se percebe que para driblar qualquer pedra no meio do caminho mais longo, a gente toma posse do caminho alheio. Invade-se, quase sempre, um pedaço de terra carpido, adubado quiçá e desocupado de outrem. Aí, se você é mais forte, tem um sobrenome bonito, ou uma conta gorda no banco, tudo bem, mas se for um Ninguém, ladrão de galinha, ou Zé Ruela, mirrado, vai se danar. A vida sempre cobra de quem não tem com o que pagar.
A covardia finge que manipula o Tempo também. O medo de envelhecer ou de morrer faz correr atrás de uma aparência jovial, ou de uma pseudo-saúde comprada, manipulada na farmácia da esquina, ou adquirida em um canal de televendas.  Quando for covarde o suficiente pra temer o espelho, quando as rugas soarem como sinais de um tempo que passou gratuitamente, ou quando a fantasia de possuir o mesmo corpo quando em tempos de nudez manifestar-se, não tema: orgulhe-se. A indiferença diante da experiência é medo de não ter usufruído de todas as possibilidades.
Morro de medo da Inveja, que é a covardia que o Cicrano tem de elogiar. Custa alegrar-se com a roupa bonita da colega? Qual o problema com o carro novo do vizinho? Vai mesmo procurar todos os dias um novo defeito para o patrão? A inveja que te assombra e corrói por dentro é um câncer na sua auto-estima. Um tumor de três quilos, que lhe aproxima sempre mais do fundo do poço, da depressão, do ópio que talvez seja a solidão.
O Arrependimento, a Injustiça, o Tempo e a Inveja dão medo. São ou já foram medo. Carregam na essência o pé atrás, o oportunismo, uma razão angustiada e cansada de pensar, a privação de prazeres por um juros a ser retirado sabe-se lá em qual vida. Se antes a fé, agora, a certeza do fim. Se antes um futuro, agora, um passado.  Se antes o medo, agora, a dúvida.


Sarah Nadim de Lazari
#2010


Um comentário: