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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Medo da Chuva

Há um tempo estive esperando a estreia do filme do Raul Seixas (“O Início, o Fim, e o Meio”) no cinema da cidade onde moro. Assim que tive tempo (ou assim que consegui roubar um tempo de mim), subi na moto, sob nuvens acinzentadas e ameaçando desaguar, e comprei um ingresso pro filme.

          Aflição era o sentimento mais predominante ali, na fila pra pipoca. E se
eu quebrasse a cara e meus heróis, de fato, morressem de overdose? E se o longa fosse a banalização comercial de uma história que eu idealizo como utopia ideológica e nostalgia de uma época que eu não pude viver? E se matassem o Raulzito?

          O Início, de repente, era o medo.

          Vi um cara com a camiseta do Raul, barba por fazer, calça rasgada e All Star surrado entrando na sala. Ultrajado de convicções.

          Eu queria ter aquela cara que esbanja personalidade. Não havia dúvidas de quais eram seus ídolos ou de quais eram as outras estampas em suas outras camisetas.

          Eu o invejei. Sem ultraje e com brincos dourados; ouro de tolo.

          Éramos eu e mais quatro pessoas naquela sala. Uma delas era um velho cuja jaqueta de couro da Harley Davidson denotava muitos quilômetros de sabedoria; muita música na bagagem. Sentou-se na primeira fileira e saiu com os olhos vermelhos dalí. Olhos de quem viveu muito do que tinha assistido.

          Eu o invejei. Com 19 anos e uma moto miúda; um motor de quem não vai a lugar nenhum.

          O Fim, de repente, era a inveja.

          O filme me fez esboçar algumas lágrimas (escondidas) 4 ou 5 vezes. Entre a vida pessoal e a profissional do Raulzito, havia o Raul. Um gênio. Um cara que não queria que sua música fosse acadêmica ou glamorosa. Ele queria ser entendido por todo mundo. Usou de simplicidade pra falar de coisa séria. E seriedade pra compor um mundo de sentimentos.

          E as drogas? Não consegui anexar uma opinião concreta. E se ela não tivesse experimentado todas elas, seria o mesmo Raul? Se ele tivesse permanecido nesta dimensão, será que conseguiria ter observado tudo com tanta objetividade? E se ele não tivesse sido essa metamorfose ambulante, seria ainda o maluco beleza que conceituou tantas vidas?

         Saí do cinema depois do final dos créditos. Assimilava tudo o que tinha visto. Digeria e saboreava sensações antitéticas.

         Só percebi que estava chovendo torrencialmente quando a moça que cobrou o ticket do estacionamento me perguntou se eu estava de moto e sorriu quando eu respondi que sim. Muito simpática.
Peguei minhas chaves, fechei a jaqueta, e fui. Sabia que o mais puro gosto do mel era apenas um defeito do fel.

         E meu Meio, de repente, era a esperança.

Sarah Nadim de Lazari

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