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domingo, 16 de junho de 2013

A Bússola da Verdade

Nunca me disseram pessoalmente
O que comentaram outro dia na minha foto.
Nunca teve tamanha relevância
O que acham dos lugares que frequento.
E o novo reino que tanto sublimaram 
É a imensidão de tantas vidas naufragadas. 

Descobriram meus mares nunca dantes navegados
Saquearam meus preceitos, minha fama, meu sossego.
Piratearam minhas doutrinas, os meus medos, minha fé.
Ancoraram em inveja,orgulho, ego e ignorância. 

Nunca suportei ter o preço do atacado.
Na epopeia virtual, há sempre um lote e um mercado.
Nunca apostaram nas virtudes do passado
E hoje todo tempo  é perdido para "engajados".
E as descobertas que fazem são sempre irrelevantes
Pra quem sabe que a dúvida é o que vento que move a nau. 

Descobriram meus mares nunca dantes navegados.
Perigam os tripulantes de se perderem em liberdades.
Encontrariam nesse mar tanta tormenta e tanto dano
Se a bússola da verdade funcionasse além do convés.



(Da série: músicas um dia musicadas mentalmente)
Sarah Nadim de Lazari




domingo, 9 de junho de 2013

A Foice da Bailarina

A morte, essa ilusionista que decide até quando se deve viver, brinca de gangorra nos parques do destino.

Ora leva vidas de repente, ora as prolonga sob um curso que julgamos natural. Egoístas que somos, preferimos acreditar no tempo de sobra, num amanhã que trará horas o suficiente para que as coisas que sempre deixamos pra depois sejam feitas.

A morte, essa bailarina que desliza sobre os palcos da nossa prepotência, é o martelo do juiz.

Pontua o acaso com rigidez, e deixa bem claro pra quem quiser assistir que devemos subserviência às suas ordens. Ela existe, e, autoritária que é, cumpre suas funções sem piedade; ignorando os que ficam e os que leva.

Sendo a única certeza com a qual se convive o tempo todo, habilidosa em surpreender, a morte faz questão de evitar a previsibilidade e de ser, sempre que pode, o mais cruel possível. 

Arranca do berço, do colo, do ombro de um amigo, do fundo da alma de um amor, uma vida. Vida da qual tem inveja.

A morte é invejosa.

Ela suga a juventude na tentativa de sê-la em sua virilidade e disposição diante do futuro.

Ela suga a velhice na esperança de consumir a sabedoria e a maturidade daqueles que traga.

Mas, acima de tudo, a morte é uma lição.

Sem querer, ela ensina o amor, quando leva alguém cuja ausência fará falta pra sempre. Ensina sobre a brevidade da vida, quando, num golpe brutal de sua foice enferrujada, encerra os dias de quem ainda é broto – germinal. Ensina a fé, quando deixa para aqueles que ficam submetidos à ausência de alguém querido a esperança de que, em algum lugar, há de se estar melhor do que aqui.

A morte, meus caros, é continuidade. 


Sarah Nadim de Lazari




terça-feira, 4 de junho de 2013

Náufrago

       E aí, de tanto fugir das pessoas que se expunham demais, eu fui me encolhendo e resguardando aqui dentro de mim  as vergonhas e os medos que sentia por elas (e delas). E sufoquei. Deixei tudo que eu sou bem encolhidinho e trancafiado numa redoma de medo e aflição.


       E no meio disso tudo, eu virei o avesso do que era, e perdi as chaves que davam aval para que meus sonhos brotassem e fizessem de mim um pouco mais de nós.



        Tesouro que sou, naufraguei num mar: solidão.


Sarah Nadim de Lazari





sábado, 1 de junho de 2013

O Silêncio das Memórias

          Em algum desses prédios no horizonte, há alguém mantendo a luz do apartamento apagada. Na penumbra causada pela pouca luz que entra da rua, a pessoa vislumbra os móveis dos quais desvia enquanto caminha, pensando.

         Reflete sobre seus medos e, na maior parte do tempo, procura entender o que diabos a levou para aquele lugar. Lembra-se, através dos aromas que adentram a janela, de particularidades de seu passado nas quais há muito não pensava. E agoniza.

          A dúvida sobre os planos que, eloquentemente, afirmou para si mesma serem os certos, acompanha o fracasso do que outrora lhe foram certezas.

          É difícil demais chegar à conclusão de que tudo o que fez até então não levou a nada. Não foi construtivo. Degradou seu tempo, sua virilidade, e suas ânsias juvenis que impulsionavam as suas perspectivas.

        Em algum desses prédios no horizonte, há alguém revendo fotos antigas, e lendo mensagens esquecidas. Na solidão, que outrora lhe envolvia como acalanto, sentia-se vazia. Precisava assistir ali, digitalizadas, as coisas que havia vivido, só pra ver se tinham sido verdade; se tinham acontecido com a mesma pessoa que então coleciona o silêncio das memórias.

      Enxerga no céu as mesmas poucas estrelas que habitam seus sentimentos verdadeiros, e as nomeia. Confessa sua angústia na esperança de que o manto negro que os separa não a poupe do brilho, nem de um possível consolo que até pode ser que lhe venha de tão longe.

          Sente saudades, mas não sabe do que; ou de quem. Vai fundo na introspecção pra ver se ainda sabe mesmo sentir; o por quem sentir. Carrega o peso de ter se transformado em um nada imenso para si.


        Em algum desses prédios no horizonte, há alguém que tenta, na escuridão, fazer-se pó, para dele tentar renascer. Há, no abrigo nostálgico do passado, a tentativa eterna de viver um futuro que lhe permita acender as luzes e fazer parte de um céu cuja estrela maior é a esperança.


Sarah Nadim de Lazari


quinta-feira, 9 de maio de 2013

Vociferando



E eu, que não tinha quase nada, tenho em mim a lucidez.
Eu, que não era ninguém, tenho em mim a solitude.
Eu, que não fazia sentido, tenho em mim a ciência.
E eu, que não sabia quem eu era, tenho ao meu respeito muita consideração.


E você, que tinha um palpite sobre tudo, tem só o ego ao seu favor.
Você, que se dizia tão capaz, passou tempo demais se vangloriando.
Você, que pagou caro tão para brilhar, é o ouro de tolo que temo ser.
E você, que sabia exatamente quem era, hoje já não sabe de mais nada.


Sarah Nadim de Lazari



terça-feira, 30 de abril de 2013

Como Vai Você?


Se perguntarem por mim, diga que eu vou bem.

Diga que tenho meus planos maciços e meus rumos premeditados.

Diga que estou focada e que qualquer tropeço servirá de impulso para me ajudar a chegar ao meu destino.

Se perguntarem, diga que eu fui ali tratar de ser feliz, e que já volto.

Que tenho levado calada, e que vozes agudas demais me enchem o saco.

Que a família vai bem e que o cachorro, apesar de pentelho, é uma companhia irrefutável.

Diga que a saudade às vezes aperta, mas que finjo que ela não existe para que eu não seja perturbada no meu estado de nada.

Se perguntarem, conte sobre minha moda solitária e sobre o meu tênis sujo.

Diga que vou muito bem quando a cerveja está suficientemente gelada.

E que a carência é só uma premissa que consta entre o décimo sétimo e o vigésimo primeiro dias do meu ciclo menstrual.

Se perguntarem por mim, diga que eu mudei, mas que se um dia me encontrar por aí, ainda verá a mesma pessoa sob minha pálpebra caída.

Diga que eu engordei, mas que tudo bem, afinal de contas, eu tenho estado muito ocupada cuidando de coisas mais importantes.

E que eu estou descuidada, mas que com um “blush” e um “rímel” tudo volta a ser como se espera.

Se perguntarem por mim, pode dizer que estou solteira há 3 anos, e que me desculpo com a posteridade por estar tanto tempo satisfeita só com a minha companhia.

Diga que sou egoísta e que não gosto de dividir a cama, os travesseiros, o oxigênio do meu quarto e as filosofias inúteis que tenho pensado.

Que lavo muito bem as mãos e que escovo os dentes, religiosamente, 5 vezes ao dia.

Diga que tenho medo de muita coisa, e que meu grande herói é o porteiro, especialista em matar insetos horripilantes.

E que tenho uma planta artificial linda enfeitando minha sala de estar.

Se perguntarem, conte das minhas noites infindáveis de leituras saudosistas e pretensiosas sobre os amanhãs.

Que pretendo ser sempre muito melhor do que eu.

Que mantenho uma alimentação saudável na medida do possível, porque vi na TV que comer fibras iria me fazer viver para sempre.

E que tenho evitado todo tipo de lembranças para não me perturbar sobre quem eu era antes de ser um algoz para mim mesma.

Se perguntarem por mim, diga que morri.



Sarah Nadim de Lazari


segunda-feira, 29 de abril de 2013

Dele(i)te

Deletei o facebook.
Já não vêem mais minha "face".
Tenho um "book" pra compartilhar.

Deletei o facebook.
Não me lembro como eu era.
Preciso de alguém pra me contar.

Deletei o facebook.
Deletaram-me de suas vidas. 
Substituíram-me por umas curtidas. 

Deletei o facebook.
Esquecem de me convidar.
Esquecem de me parabenizar.

Deletei o facebook.
Permito-me sentir saudades.
Aprecio a vida com um novo paladar.


Brincadeirinhas de um "nada pra fazer".
Sarah Nadim de Lazari.



Um Gole de Cicuta


É estranho não participar das marés modais e morais que vão e vêm para as pessoas. Ser diferente é pejorativo hoje em dia. Não referindo-se a cor, credo ou sexualidade, mas às concepções do que deveras é o certo nas condutas cotidianas.

Por que é que insistem em se martirizar por não ter um tênis de marca refinada? “Refinada”.

Por que usar uma blusa cuja estampa é um rótulo em cores gritantes que se autoafirmam usando as pessoas de vitrine?

Quanto custa a sua intimidade e o sua individualidade, se tudo pelo que você lutou até hoje virou um penduricalho compartilhado entre várias pessoas?

Ter um celular com utilidades mil tornou-se, de um dia pra outro, indispensável. O mundo pautado pelo digital é uma corrosão à autenticidade e à realidade.

Não mais deleita-se de vida. Conecta-se a um universo paralelo, a um modo automático de existência que dirige as personalidades pelo que elas postam em seus perfis sociais.

Viramos um livro de receitas de nós mesmos. Compartilhamos com o mundo aquilo que ouvimos, comemos, dançamos, para onde vamos, ou de onde viemos, como se procurássemos alguma aprovação. Alguém que vá nos degustar e recomendar-nos como uma boa pedida.

Temperamo-nos com títulos, marcas e padrões que, de tão uniformizados, nos torna insossos.

A necessidade de ter e de ser aquilo que todo mundo tem ou é, me dá medo.

Não é de hoje que se escuta dizer que há um veneno certo contra determinado tipo de praga.

Se veneno a personalidade, praga a futilidade.


Sarah Nadim de Lazari



domingo, 7 de abril de 2013

quarta-feira, 27 de março de 2013

Réquiem Para Um Despertar

          E, de repente, tudo o que ela havia construído até então parecia pífio demais para a imensidão de tantas vidas que pudera observar no seu novo dia a dia. Ela se misturou na multidão de tal forma confortável, que sorria. Seguia o fluxo e sorria, porque se sentia fazendo parte de algo real. 

         Tinhas os pés no chão, mas perspectivas de que as logo coisas dariam certo. Era uma esperança muito mais palpável do que aquelas que criara deitada na cama, antes de dormir, numa solidão silenciosa qualquer de um quarto escuro.

       Ela, que tinha as convicções de uma velha e as ideologias utópicas de um tolo, percebeu sua singularidade e sua pequenez perante ao mundo. 

          Não sentira a angústia orgulhosa de quem deixa de ser; sentira a serenidade maciça de quem passa a pertencer. 

          Era um mundo que a consumia. A sugava para dentro de si, e a camuflava em suas entranhas uniformes e movimentadas. E então, assim mesmo, de repente, ela saboreou a humildade. E, abriu os olhos para os ponteiros de um relógio que nunca carregara consigo. Passou a dar importância para as variedades estilísticas dos ambientes, e de pessoas. 

          Correra contra e à favor da linha de raciocínio da fé. Contra, quando via tão de perto a fome, o frio e o fado premeditado da massa que sobrevive para viver (ou vive para sobreviver). À favor, quando alguém lhe pedia licença, quando avistava um sorriso bobo de alguém distraído que surgia na multidão caminhando em sua direção e quando chegava cansada em casa mais um dia. Gostava de sentir-se cansada. Sabia que havia feito algo cumulativo naquele dia. E sabia que, hora ou outra, sua cama a acolheria com o carinho pelo qual rogara durante o dia todo. 


       De repente, ela até gostaria de afagar a barba de alguém que, num silêncio contemplativo, a escutaria detalhar os olhares cansados que vira, as observações pseudo-filosóficas que havia feito durante os intervalos analíticos do dia. De alguém em cujo peito repousaria o rosto, cujo cheiro a fizesse ronronar, cuja presença a fizesse sentir-se tão segura a ponto de deixar-se dormir. 


          Ela sabia que estava no lugar certo para crescer, aprender e se conhecer. E ela, que havia se construído à partir de resquícios de veracidade, pudera então presenciar coisas menos surpreendentes do que aquelas que lhe vieram "de repente", e enfim, viver. 

Sarah Nadim de Lazari