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quarta-feira, 27 de março de 2013

Réquiem Para Um Despertar

          E, de repente, tudo o que ela havia construído até então parecia pífio demais para a imensidão de tantas vidas que pudera observar no seu novo dia a dia. Ela se misturou na multidão de tal forma confortável, que sorria. Seguia o fluxo e sorria, porque se sentia fazendo parte de algo real. 

         Tinhas os pés no chão, mas perspectivas de que as logo coisas dariam certo. Era uma esperança muito mais palpável do que aquelas que criara deitada na cama, antes de dormir, numa solidão silenciosa qualquer de um quarto escuro.

       Ela, que tinha as convicções de uma velha e as ideologias utópicas de um tolo, percebeu sua singularidade e sua pequenez perante ao mundo. 

          Não sentira a angústia orgulhosa de quem deixa de ser; sentira a serenidade maciça de quem passa a pertencer. 

          Era um mundo que a consumia. A sugava para dentro de si, e a camuflava em suas entranhas uniformes e movimentadas. E então, assim mesmo, de repente, ela saboreou a humildade. E, abriu os olhos para os ponteiros de um relógio que nunca carregara consigo. Passou a dar importância para as variedades estilísticas dos ambientes, e de pessoas. 

          Correra contra e à favor da linha de raciocínio da fé. Contra, quando via tão de perto a fome, o frio e o fado premeditado da massa que sobrevive para viver (ou vive para sobreviver). À favor, quando alguém lhe pedia licença, quando avistava um sorriso bobo de alguém distraído que surgia na multidão caminhando em sua direção e quando chegava cansada em casa mais um dia. Gostava de sentir-se cansada. Sabia que havia feito algo cumulativo naquele dia. E sabia que, hora ou outra, sua cama a acolheria com o carinho pelo qual rogara durante o dia todo. 


       De repente, ela até gostaria de afagar a barba de alguém que, num silêncio contemplativo, a escutaria detalhar os olhares cansados que vira, as observações pseudo-filosóficas que havia feito durante os intervalos analíticos do dia. De alguém em cujo peito repousaria o rosto, cujo cheiro a fizesse ronronar, cuja presença a fizesse sentir-se tão segura a ponto de deixar-se dormir. 


          Ela sabia que estava no lugar certo para crescer, aprender e se conhecer. E ela, que havia se construído à partir de resquícios de veracidade, pudera então presenciar coisas menos surpreendentes do que aquelas que lhe vieram "de repente", e enfim, viver. 

Sarah Nadim de Lazari


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